O “Observatório Autárquico” nº 4 traz informações que puseram a minha imaginação aos saltos: são as três despesas da Câmara Municipal de Almada, em 2009:
1) Em Maio, o ajuste directo de relógios, no valor de 94 174,72Euros;
2) Também em Maio, o almoço do Dia Internacional da Mulher, no valor de
83 640,00 Euros;
3) 1400 almoços no Complexo Municipal dos Desportos.
Face à lei vigente, tudo legal. Porém, dá que pensar.
a) Primeira despesa
Puxei, puxei, puxei… pela cabeça e muitas hipóteses me surgiram. Até que cheguei à hipótese mais plausível. Esta despesa terá sido para oferta de prenda de Natal a alguns funcionários. (O leitor verá que se justifica tal discriminação).
Trata-se dos funcionários que não são das graças da senhora D. Maria Emília de Sousa ou de certas chefias, de todos os “sofredores” que na Câmara Municipal de Almada não se podem pirar. Lá irá um, com sorte, ou lutando muito por isso, talvez de longe a longe.
Ora os relógios seriam para toda esta gente que, “justificadamente”, chegará muitas vezes atrasada ao trabalho, tal é a sua boa disposição de para lá ir.
Contudo, pensando bem, como são tantos, parece-me que, apesar da quantia ser relevante, não chegará para a oferta de um relógio de jeito a todos.
Será que terão sido corridos sem relógio razoável, mas com uma simples cebola? Para os leitores jovens talvez seja importante esta informação: caiu em desuso, mas há umas décadas atrás era muito comum na linguagem familiar, brincalhona, chamar-se “cebola” a um relógio. Eu tive uma “cebola” que foi das melhores prendas que recebi na minha vida: uma embalagem muito grande dentro de outra, esta por sua vez ainda de outra ainda, e ainda a última, pequenina, que tinha lá dentro uma cebola de facto que, de tão bem tratada fora, durou mais de 20 anos. Escusado será falar do meu desgosto quando ela em qualquer andança desapareceu.
b) Segunda despesa
Imagino que lá estariam só mulheres, embora para meu gosto não seja o ideal. Isto deve vir-me da infância: já em criança sempre brincava com meninos e meninas . Não quer dizer que não reconheça um grande valor aos feminismos, à sua história, à sua acção. Nos anos 60 li a obra clássica de Simonne de Beauvoir, “O Segundo Sexo”, não traduzido então em português, suponho. Li um catarpácio (ou catrapácio) - escrevo assim porque parece que o vocábulo ainda não está dicionarizado - da Betty Friedan traduzido em português, daqueles livros que vão e não voltam; suponho que seria “A mística feminina”. (Ainda hoje a imagino com os seus engraçados chapéus!). E li ainda mais umas coisas…. Desde já devo dizer que não alinho na tese da Simonne, mas isso é problema meu. A conversa iria longe ... Ah, só mais um pormenor: tenho visto por entre as nossas feministas conhecidas algumas que são bem sacanas para outras mulheres. Grandes feministas! Adiante.
Vamos a contas, ou às contas que, essas sim, foi o que aqui me trouxe.
Admita-se que cada almoço custou 20 Euros. Teriam sido contempladas 4 182 mulheres. Menos de 20 Euros não seria certamente. Se cada almoço custasse apenas 10 Euros, tínhamos o dobro das mulheres contempladas, mas com um pobre repasto. (Veio-me agora à memória a pergunta de Paulo Portas, quando cabeça de lista à Assembleia Municipal de Arouca, em 2009, e aí, num almoço, perguntou: “Oh sr……….”, o que é que aqui se come por 10 Euros? Claro que a pergunta pode ter várias interpretações).
Penso que o tal almoço feminista deve ter sido no concelho de Almada.
E onde terá sido? Onde se enfiou tanta gente?
Terão sido só mulheres? Admitamos que sim. Por um lado, protesto, por não ter sido convidada, logo eu, que tanto gostava de ter almoçado com a senhora D. Maria Emília. É que, além da mensagem escrita que recebo todos os anos nesta data festiva, teria ouvido talvez um discurso que nunca mais acabaria, mas que me encheria a alma. Ou não terá discursado?
O mais importante é que não sei qual foi o critério dos convites feitos. Bom, não vou continuar a pôr hipóteses. Nunca mais terminaria.
Porém, surgiu-me uma ideia de despedida ao falar desta despesa. É a seguinte: deve ter-se bebido por lá algum verdelho, daquele que tive a sorte de beber, sim, não foi provar, há cerca de 30 anos, em casa de uma amiga. Só as duas, na cozinha, bebemos o resto de uma garrafa, e ainda era bastante. Sentíamo-nos no tempo dos czares, porque o vinho era de facto ainda desse tempo. Essas coisas que são apanágio da riqueza, porque usadas com grande frequência não serão tão apreciadas pelos que delas só usufruem uma ou poucas vezes na vida. O que se perde pela grande quantidade e contexto luxuoso, banalizado, é compensado pela pequena quantidade e contexto intimista, sobretudo se ainda se acrescentar o humor.
c) Terceira despesa
Vou ser breve. Não quero cansar o leitor. E não me quero cansar também. Não vou deixar voar a imaginação.
Contas feitas (à mão, não sou escrava da máquina de calcular), cada almoço teria custado 23,9 Euros, tendo, assim, sobejado 56 Euros.
Não é habitual o custo de um almoço ou jantar neste tipo de situação não ser apresentado em número redondo de Euros.
Há aqui uma certa originalidade.
A minha imaginação fervilhante põe tantas, tantas, hipóteses…
Por isso vou apenas enunciar uma delas, porque me parece bastante plausível:
1. Estiveram mesmo só 1 400 desportistas presentes no dito almoço;
2. Comeram tanto e tão bem, fazendo lembrar uma dieta de emagrecimento muito comum na qual se fez dieta durante seis dias, sendo o sétimo de desforra (não é bem assim), que tiveram de ir correr para o Parque da Paz, após uma longa digestão;
3. Tratando-se, em princípio, de jovens, não terá havido verdelho do tempo dos czares, como o outro, mas um vinho bem bom como, por exemplo, o Syriah, contribuindo, pois, para o desenvolvimento regional. Como à rapaziada do desporto são exigidos particulares cuidados dietéticos, nesse dia, excepcionalmente, cada um bebeu uma garrafa inteira. Foi mesmo a transgressão própria da festa.
E assim acabo a festa deste escrito.
Adeus até ao meu regresso.
PS - Ia-me esquecendo dos 56 Euros. Suponho que a senhora D. Maria Emília mandou comprar uns Kilos de arroz e foram enviados à Isabel Jonet.
Almerinda Teixeira